Manipulação despudorada... <br>e paga
Em meados da década de 1990 rebentou um escândalo pela denúncia de corrupção entre a indústria farmacêutica e médicos. Em causa estava o pagamento de viagens em troca da prescrição de medicamentos de determinada marca. Em 2016, quase 20 anos depois, tornou-se prática corriqueira que jornalistas viajem para Bruxelas ou Estrasburgo a convite, ou seja, com despesas pagas por alguém. Mas a convite de quem?
Em Julho de 2014 foram proporcionadas viagens a jornalistas para Estrasburgo para assistir à tomada de posse dos recém-eleitos deputados ao Parlamento Europeu. E a viagem foi feita a convite, neste caso do próprio Parlamento Europeu. Em Dezembro de 2015 um jornal dito de referência publica um artigo que termina com a frase-chave: «O jornal viajou a convite da Comissão Europeia». Ambos convites institucionais, dirão alguns. Vale a pena lembrar que as instituições europeias não são neutras, como o actual processo em curso de chantagem a Portugal confirma.
Mas há mais. Em Março de 2011 um outro conhecido jornal publica uma peça sobre o processo de entrada da Croácia para a União Europeia, exclusivamente com declarações de representantes do Partido Popular Europeu (PPE), a que pertencem PSD e CDS-PP. E viajou para Bruxelas a convite de quem? Do próprio PPE.
Não é caso único. Mais recentemente, foi um jornalista enviado de um grande grupo de comunicação social a Bruxelas para acompanhar as reações ao referendo britânico. O fim dos seus textos era acompanhado da frase «O jornalista viajou a convite do PPE».
São casos que se sucedem e que colocam a nu a forma despudorada como se manipula o espaço mediático e se distorce a realidade. Não só as instituições europeias, mas o grupo político que congrega os fiéis executantes da política de empobrecimento e de intensificação da exploração pelos países da União Europeia, compram viagens para que jornalistas construam na opinião pública a ideia da bondade do projecto de integração capitalista europeia e, particularmente, da inevitabilidade desse projecto e da nossa participação em todos os seus instrumentos, por mais ruinosa que seja para o País.
Recentemente, em Portugal, o PSD foi mais longe e resolveu comprar o envio de uma mensagem em forma de convite para uma iniciativa partidária dirigido a todos os endereços de correio electrónico a que um grupo de comunicação social, detido por um histórico militante do PSD, tem acesso. Poderia tratar-se de um simples caso de publicidade comercial, mas a verdade é que a mensagem não vinha identificada como tal, o que levou a própria empresa a pedir desculpa e a retirar a campanha por reconhecer ter sido «enviada de um endereço que a podia conotar com conteúdo editorial».
Para o PSD, o PPE ou as instituições europeias a política é como um qualquer medicamento: o que é preciso é marketing.